Tempo Fugaz

Certamente estamos vivendo um tempo muito veloz, onde se cultua com muita pressa o que é ágil, belo, dá prazer e não aborrece. Descartamos rapidamente um objeto de nossos desejos, não por já ter sido realizado mas por que já fomos dominados por um novo momento que a globalização trouxe e que a tudo irá devorar. Vivemos uma era “fake”, a valorização do falso e de um tempo fugaz.

Certa vez, enquanto esperava pela chegada de um ajudante para instalar uma escultura no jardim de uma casa, resolvi passear pelos seus espaços em final de obras. Cheguei num hall ainda com cheiro de tinta e parei para observar o lustre que terminava de ser instalado.

– Gostou? Me surpreendeu a decoradora logo atrás de mim.
– Sim, bonito, é um Murano, não é?
– Sim, é um legítimo “Fake” rsrs…
– Como assim, “fake”? “fake” de “falso”?
– Isso não é cristal, é resina meu querido! Mas não vamos desfazer da peça, não é mesmo? Convenhamos, “fake” tem melhor potencial aos ouvidos de alguns clientes… glamour!

Saí dali pensando… Acho que somos mesmo facilmente devorados pelos modismos. Abrimos um enorme buraco na nossa cultura por conta dessa velocidade para tudo, da supervalorização da imagem pela imagem.. Então, adotar o que “parece ser”, mas que na verdade não é, se tornou uma atitude coerente com a cultura do descarte.

Por que ser verdadeiro se eu posso me alimentar com a ilusória sensação de liberdade que prega o efêmero e o descartável como conquista de poder e felicidade?

Por que querer o verdadeiro hoje, se amanhã é quase certo de que não quero mais? É só lembrar que a rapidez do marketing a qualquer momento irá raptar meu desejo, transformá-lo em algo ultrapassado e em seu lugar me apresentar um novo com promessas de prazer e atualização da sensação de poder e inserção social.

Em alguns momentos tenho a desagradável impressão de que o que nos resta são mesmo os resíduos, as falsas impressões, e que nem ao menos nos damos conta de que tem sido eles o nosso alimento social.

Há uma força controladora que nos autoriza e estimula a brincar um pouco com falsas impressões, antes delas perderem o encanto e irem para o lixo.

Acredito que o exercício da arte associada à reflexão pode auxiliar na mudança desse comportamento. A consciência de que somos indivíduos criativos e a prática dessa potencialidade tão característica do ser humano é um grande passo para se dar início a um importante processo de revisão dessa conduta.

Outro dia eu estava sentado num canto do atelier de um projeto que coordeno e, de tão cansado, só pensava em ir para casa mais cedo.

Chegaram os alunos e entre eles um menino de 10 anos todo animado, dizendo:

– Helio! Eu trouxe comigo um pouco daquela massa mágica, lembra? Sobrou da última aula. Guardei, tá aqui no meu bolso. Faz de novo com a gente aquele exercício? Tô cheio de ideias novas!
Então eu disse:
– Tá certo, mas vamos ter que usar mesmo a sua massa, porque a minha eu deixei lá em casa ou emprestei pra alguém… não sei, não me lembro mais.

Reunimos o grupo num grande círculo e demos início ao exercício, que consiste em imaginar que temos um pedaço de uma massa mágica que nos permite produzir qualquer coisa de qualquer tamanho e peso para, em seguida, ser oferecida pantomímicamente para o colega ao lado.

Como sempre, os resultados foram surpreendentes, a massa invisível tomou formas e pesos os mais particulares e variados, enquanto a imaginação era passada de mão em mão.

Nesse caso, a tal efemeridade que vem nos invadindo socialmente não teve espaço para descartar nossas ideias, como ela faz com os objetos, ao contrário, mesmo os resíduos dessa experiência foram suficientemente fortes e permanentes para ampliar não só a nossa imaginação mas também o nosso poder e conhecimento.

Foi muito bom mudar de planos e ficar até o final da aula.

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