Primeiro passo: Enxergar o outro

É realmente característica dessa cultura contemporânea, produzir cada vez mais metas de conquistas.

Nessa típica estratégia que só visa o consumo, à qual poucos se dão conta, indivíduos encontram-se tomados pela ansiedade do “vir a ter para conseguir ser” e numa espécie de teia, vão sendo aprisionados de forma gradativa e inconsciente.

Durante esse processo, desenvolve-se um isolamento, e o “outro” passa a ser seu adversário. Um “outro” visto como obstáculo, situado entre o sujeito e seu único foco de interesse: a conquista de coisas.

Há poucos meses, na escolinha de arte que funciona numa construção anexa ao meu atelier, os orientadores propuseram para um grupo de crianças socialmente privilegiadas, criarem sobre uma grande folha de papel Kraft, uma posição com o próprio corpo que representasse um movimento de conquista. “O que eu quero alcançar?”

Deitados, cada um sobre sua própria folha, alunos entre 4 e 6 anos, movimentaram-se sobre o papel até encontrarem livremente suas posições. Em seguida, os orientadores contornaram seus corpos com lápis.

Feito esse registro cada criança trabalhou com tintas e materiais para colagem, dentro de suas formas corporais contornadas. Em seguida, foram todos estimulados a desenvolver, no espaço vazio entre as mãos, algo que representasse: “O que eu quero alcançar?”.

Naturalmente, já são esperadas nessa faixa etária representações concretas. Portanto, pizzas, sorvetes e brinquedos fazem parte desse mundo das coisas, e eles foram naturalmente retratados como objetos de conquista. No entanto, também fizeram parte, o dinheiro e outros símbolos nomeados por eles mesmos como formas de poder. E assim surgiram lanchas, aviões particulares, entre outros.
Observa-se também, nessas mesmas crianças que fazem do poder seus alvos de conquista, um maior desinteresse pelo outro como parceiro e mais como medida.

Se deslocarmos o nosso olhar, fugindo dos rigores dessa moldura limitante que nos tem sido imposta, podemos vislumbrar, na amplitude dos novos espaços que esse deslocamento é capaz de desvelar, um “outro” complementar ao invés de adversário, e consequentemente disparador de reflexão sobre o que realmente queremos.

A relação com a subjetividade que a arte provoca, retira os indivíduos do cerceamento que as coisas tendem a produzir quando essas reinam soberanas.

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