Limite e Repressão

“Mais importante do que o tamanho da liberdade oferecida a uma criança, é a clareza e a definição das fronteiras que delimitam essa liberdade para que ela possa realizar num espaço seguro o exercício de suas experiências.”

Parece existir uma linha tênue que separa essas duas possibilidades de atuação dentro do processo educacional. Essa mesma linha pode parecer ainda mais tênue, quando inserida num grupo de crianças e jovens que experimentam a arte.

O caráter de liberdade que exige a arte dentro dos processos em que ela atua, amplia naturalmente o olhar para definições que costumam estabelecer o que é limite e o que é repressão nos processos comumente chamados de arte-educacionais.

É comum, professores de arte se sentirem inseguros frente a determinadas situações em aula e se questionarem:
Preciso reprimir essa situação, ou permitir?
O que eu estou fazendo: estabelecendo um limite ou reprimindo?

Na verdade não existem fórmulas ou receitas, mas uma necessidade constante de avaliação e reflexão, tanto do professor quanto dos alunos, a partir de cada ocorrência. Mas vale lembrar que, de qualquer maneira, o “tamanho do espaço” previamente definido onde irá se desenvolver uma determinada ação artística, já é em si um agente organizador.

Não existe situação ou oportunidade sem limites, porque é sempre a partir de algum tipo de fronteira que se criam ou se desenvolvem ações, mesmo que terminem por invadir os limites propostos inicialmente.

Regras são, em geral, os limites de atuação estabelecidos dentro de um grupo ou de uma casa, instituição, cidade, país. Variam, dependendo de cada cultura ou necessidade individual, mas são elas que determinam o tamanho e a forma da atuação que se pode empreender num espaço, seja uma aula ou até mesmo nas relações interpessoais. Regras podem mudar e se transformar dependendo das ocorrências e dos resultados obtidos, além das opiniões dos envolvidos.

Pode-se dizer que situações sem limite são no mínimo irreais, sem contar a sensação de desinteresse e pouco caso, que acaba sendo proporcionada a partir desse comportamento. Acredito que, em espaços e situações aonde se desenvolvem relações afetivas, como em grupos arte-educacionais e familiares, limites são demonstrações de interesse pelo outro, além de medidas fundamentais para a conquista dos objetivos.

Precisamos pensar o espaço das aulas de arte como um terreno de possibilidades para o plantio de ideias ou a construção de novas estéticas. Seguindo a analogia de um terreno para se plantar ou construir, não há como se pensar a quantidade de sementes para se plantar ou pensar o projeto de uma construção quando não se tem as medidas do terreno disponibilizado.

No caso das crianças e jovens, acredito que, mais importante do que o tamanho da liberdade oferecida é a clareza e a definição de suas fronteiras para o exercício dessa liberdade.

Há situações, no entanto, como as que colocam em risco a integridade de pessoas ou espaços, por exemplo, em que a repressão é o recurso de preservação disponível e o limite só funcionaria como um exercício preventivo, anterior a ela, ou mesmo posterior, quando é utilizado como organizador ou “refertilizador” da devastação que em geral as ações repressoras provocaram.

Outras vezes também, a repressão pode vir em socorro, como um tratamento de choque para, por exemplo, frear um grande processo de desrespeito aos próprios limites de auto-estima e que por isso, vem provocando impedimento ou dificultando o desenvolvimento de um indivíduo. Crianças que destroem constantemente seus próprios trabalhos, em geral também desprezam ou subestimam suas próprias soluções. São evidentemente crianças portadoras de baixas auto-estimas. Nesses casos, muitas vezes uma atitude repressiva que não seja movida pela impulsividade inconsequente, pode proteger o potencial daquele indivíduo dele mesmo. Afinal, todos nós sabemos do poder que temos de autodestruição.

Em geral, quando se lança mão da repressão de maneira puramente impulsiva, é porque o repressor deve estar frente a uma questão com a qual ele não consegue ou não quer lidar. São em geral, questões que abalam a fragilidade de certas situações que ilusoriamente foram eleitas como estruturais para esse indivíduo.

É comum o exercício da repressão quando determinadas situações:
1- Despertam preconceitos.
2- Assemelham-se ou refletem possíveis condutas adormecidas no repressor e que ele desaprova e por isso tenta reprimir dentro e fora de dele
3- Abalam os frágeis princípios de autoridade e poder do repressor, fragilizando-o.
Ao contrário da repressão, o limite não nega a ninguém, o direito ao desenvolvimento de suas potencialidades; muito ao contrário, estabelece uma medida que pode representar uma saudável referência, que reforça a auto-estima.

O limite fornecido por um professor em sala de aula, pode significar o porto seguro, a borda de apoio para que essas crianças não sejam sugadas indefinidamente por esse processo de auto-desvalorização.

O limite, portanto, pode trazer a oportunidade de um novo olhar sobre aquele que o recebe, reforçar uma opinião contrária àquela que vem sendo creditada indevidamente sobre ele. Estabelece uma medida, e pode funcionar como uma espécie de parada obrigatória, capaz de levar um auto-destrutivo à reflexão e conseqüentemente à mudança.

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